quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Mulher Negra e Representação iconográfica na poética de Alzira Rufino

Por Ana Paula Fanon




“É impossível que floresçam intelectuais negras se não tivermos uma crença essencial em nós mesmas , no valor de nosso trabalho, e um endosso correspondente do mundo á nossa volta , para apoiá-lo e alimenta-lo. Muitas vezes não podemos procurar nos lugares tradicionais o reconhecimento do nosso valor, temos a responsabilidade de buscá-lo fora e até criar diferentes locações”


Hoje quando acordei e olhei da janela do meu quarto o dia amanhecendo, comecei a lembrar de muitas histórias pessoais de mulheres negras doces, delicadas , determinadas , guardiãs do conhecimento e dos saberes ancestrais que fizeram e fazem a diferença no mundo.
De repente a minha memória foi tomada por varias narrativas de produções textuais e poéticas que dominaram a minha mente para que eu pudesse externalizar minhas reflexões acerca do mundo hegemônico que a todo momento invisibiliza a nossa história, deturpa a nossa imagem e tenta nos matar simbolicamente.
Depois de contemplar o amanhecer fui correndo fazer um exercício que é rotineiro .Olhar a minha imagem no espelho, admira-la de forma segura e me deleitar com poesia para então começar a escrever este texto e fazer do meu dia o melhor possível.
Porque se tem uma coisa que eu não abro mão, é interpretar poesias que falam sobre a minha subjetividade,trazem iconografias e melhoram a forma que eu me relaciono comigo mesma e com o mundo e você mulher negra já experimentou este exercício ? Tente para conhecer a sensação !
Poderia neste momento fazer uso de conceitos teóricos literários para analisar as poesias de Alzira mas para mim este contexto é um espaço de dialogo e informalidade é como se eu tivesse em uma roda de mulheres negras dentro de um universo diversificado compartilhando ensinamentos e experiências .
Muitas vezes perdemos a oportunidade de nos contagiar com a nossa beleza, com o nosso modo diferente de ser e viver, porém nunca é tarde para assumir o controle de nossas vidas e das nossas vontades, nunca é tarde para voltar na história e fazer um novo percurso,protagonizar uma nova trajetória.Como você se definiria sem reticências, virgulas ou ausências? Observem o conteúdo do poema abaixo:
Resgate

Sou negra ponto final
Devolvo-me a identidade
Rasgo a minha certidão
Sou negra
Sem reticências
Sem vírgulas
Sem ausências
Sou negra balacobaco
Sou negra noite cansaço
Sou negra
Ponto final

Este ponto final é apenas uma afirmação na poesia de Alzira pois o papo com vocês só esta começando! A palavra resgate neste contexto poético e de dialogo me remete a memória histórica.
Será que muitas vezes nos deixamos seduzir por propagandas, discursos e imagens que não dialogam com a nossa estética ? Vocês já se perguntaram sobre quem esta dirigindo a sua vida ? Será que existe fórmula para conquistar a nossa autonomia ou a nossa emancipação enquanto mulheres negras acontecerá através de um processo de descolonização mental ? Sugiro criarmos um espaço pessoal de descolamento em meio aos bombardeios da industria cultural, da efemeridade pois assim não iremos cometer o risco de esquecer a nossa origem.
Afinal, somos herdeiras de mulheres negras que deixaram um legado através de uma pratica religiosa tradicional que se mantem firme como as rochas para que hoje possamos andar de cabeça erguida e com muito orgulho de saber de onde viemos, quem somos e para aonde iremos.
Se observamos a mensagem implícita do poema Resisto vamos enxergar varias imagens de mulheres negras que não baixaram a guarda em meio as negações e ocultamento das nossas visões de mundo .

RESISTO

De onde vem este medo?
Sou
sem mistérios existo
Busco gestos de parecer
Atando os feitos que me contam
Grito de onde vem esta vergonha sobre mim?
Eu, mulher negra,resisto

E assim vamos trilhando o nosso caminho sem medos e receios dos subjugamentos ,seguras e resistentes na luta por dias melhores tanto para nós mulheres negras como para todo o povo negro.
Até porque a nossa cultura é um conjunto de sistema de valores e o processo de auto-definição e pertencimento é algo que precisamos absorver internamente para só depois compartilhar com maior número possível de pessoas e esta manifestação pode ser expressa através do modo de vestir, de falar, de escrever, pintar, interpretar ,apresentar enfim de várias maneiras.Certas de que não existem pessoas mais competentes para protagonizar a nossa história do que nós mesmas.

Reflexos

Apropriar-se do meu DNA
Acordo, durmo.
Escovo os dentes.
Apropriar-se dos manuscritos de ontem.
Fazer releituras ...
Apropriando- me da realidade dos rebanhos
Leituras em determinados momentos com a ferramenta possível.
Horizontalizo.
Me refaço no meu espelho diário.
Aproprio-me dos fenômenos que mudam o destino ,com olhos e face de produção caseira.
Aproprio-me da minha identidade, metas que aguardam mudanças não só para diversão.
Aproprio- me da humanidade que me surpreende.
Aproprio-me do calor do útero finalizando a produção.
Aproprio-me do fazer e refazer as malas
Aproprio-me da liberdade de me dar voz de prisão e ordem de recolher para o meu cérebro e sentidos.
Apropriar-se do aceitar esse corpo carrasco que no suor do meu corpo transpira pensamentos.


Então, não da mais para esperar !Agora é a fase da apropriação , da tomada de consciência e elevação da nossa auto-estima é o momento de enxergarmos as nossas qualidades além do que vemos refletida no espelho .Convictas de que o mais importante é nos percebemos como sujeitas dotadas de qualidades, talentosas e que não precisamos ser xérox de representações aceitas, de imagens padronizadas nos ambientes pois nós mulheres negras desde os tempos mais remotos construímos o nosso padrão de beleza , auto-afirmação,organização política ,cultural, educacional e religiosa juntamente com a comunidade, seja no quilombo ou no terreiro sem subserviência as influências externas.






“Os versos de Alzira Rufino parecem ter a estranha capacidade de nos transportar para onde eles estão, ou para onde ela estava no momento em que os gerou. ”
Lélia Gonzalez

Um comentário:

  1. Fã. Feliz. Fortuna guardada, mas agora descoberta. Gastarem cada tostão.

    ResponderExcluir